Postado originalmente no Valor Investe por Isabel Filgueiras
Não faz tanto tempo assim que a rua São Bento, no Centro de São Paulo, era o lugar mais certeiro da capital para se pegar um empréstimo, fosse nos bancos da rua, fosse nas financeiras ou correspondentes bancários. Os panfleteiros chegavam a disputar a clientela no laço. Com nome sujo ou não, quem quisesse saía de lá com dinheiro na mão e uma dívida para pagar — muitas vezes, com os maiores juros do mercado, é bom que se diga.
Mas o cenário mudou.
Depois da onda de fintechs, aplicativos, comparadores de juros e Selic (taxa básica de referência) baixa, os cartazes de “dinheiro fácil”, “empréstimo sem garantia”, as promoções e os produtos especiais para aposentados já não são vistos como antes por ali. Os bancos seguem no endereço, mas as financeiras, muitas delas se foram. Sobraram as maiores. O resto virou farmácia, loja de roupa ou varejista japonesa.
E não é que a concorrência esteja menor. Pelo contrário, o Banco Central registra cada vez mais pedidos de fintechs interessadas em disputar o mercado de empréstimo pessoal. O que ocorreu foi que os credores mudaram de ambiente. Longe da Praça da Sé, a disputa maior agora se dá num endereço que começa com www ou nas app stores (lojas de aplicativos de celular). Surgiram também novos formatos, como a legalização do empréstimo direto entre pessoas (chamado de P2P), mas com mais segurança e sem a alcunha de agiotagem.
Com a facilidade dos comparadores de taxas de juros digitais, os mais antenados, e que têm alguma educação financeira, conseguem condições melhores. Somado a isso, há o cenário de taxa básica de juros em níveis historicamente baixos, o que deveria, pelo menos em tese, derrubar o custo do crédito.
Mas para quem não entende muito bem de juros, para gente de outras gerações (especialmente aposentados) e em situação financeira delicada, sem crédito nos bancos tradicionais, para essas pessoas, a rua São Bento ainda é referência.
Entre as instituições financeiras que permanecem no endereço estão desde bancões como Caixa, e Bradesco, e também Agibank, BMG (que só empresta para aposentados e pensionistas) e a Crefisa, que se tornou conhecida (ainda antes do patrocínio do Palmeiras) pelos comerciais em que se dirigia aos “negativados” (eufemismo para se referir às pessoas com o nome sujo em listas como Serasa e o Serviço de Proteção ao Crédito).
Segundo o levantamento do Banco Central, na semana de 30 de outubro a 5 de novembro, os três últimas citados (Crefisa, BMG e Agibank) são listados entre os 10 lugares com o crédito pessoal não-consignado mais caros do mercado. Apesar do alto custo, que em alguns casos se aproxima de 1.000% ao ano, é a esse tipo de crédito que recorre a parte mais vulnerável da população.
Comparação das 10 maiores taxas de juros de crédito pessoal não-consignado
Banco | Ao mês (%) | Ao ano (%) |
REALIZE CFI S.A. | 13,75 | 369,47 |
DACASA FINANCEIRA S/A – SCFI | 13,95 | 379,38 |
BCO AGIBANK S.A. | 15,48 | 462,21 |
MIDWAY S.A. – SCFI | 15,59 | 468,83 |
BIORC FINANCEIRA – CFI S.A. | 19,03 | 709,03 |
BCO BMG S.A. | 19,10 | 714,40 |
CREFISA S.A. CFI | 21,78 | 963,76 |
FACTA S.A. CFI | 22,54 | 1.046,14 |
JBCRED S.A. SCFI | 26,70 | 1.611,72 |
Fonte: Banco Central – 20 de novembro de 2019
Cara de varejo, não de banco
Diferentemente dos bancos tradicionais, essas financeiras têm um ambiente agradável, bem iluminado, com cartazes de vantagens e promoções nas paredes, que convida o cliente a entrar – e sem a porta giratória ainda! É fácil conseguir cartão de crédito e quem abre conta e adquire serviços tem mais vantagens na negociação.
E como diz a propaganda, até os que estão com nome sujo na praça tendem a ser bem recebidos. Não há muitas filas, nem longa espera. Tem sempre água e cafezinho para quem chega. Aliás, essas cortesias, infelizmente, acabam atraindo pessoas mais velhas, com pouco conhecimento sobre juros e taxas.
“Ah, eu sempre venho aqui na rua São Bento. Eu não pesquiso, não, porque não entendo essas coisas de juros, minha filha. Aqui eu gosto porque eu fui muito bem atendido pela moça, me deu até café. E o valor da parcela eu posso pagar. Eu vejo se a parcela cabe, se couber, eu já fecho negócio. Em seis meses, termino de pagar”, afirma um aposentado de 81 anos, sentado nas cadeiras à espera de atendimento na Crefisa.
Ele conta que não tem celular e muito menos entende de aplicativos de comparação de juros. Assim, acaba buscando crédito pessoal em algum desses lugares com taxas salgadas. Segundo o aposentado, ele tem conta em banco, mas “teve um rolo”, por isso já não consegue empréstimo onde é correntista.
Na frente da agência da Caixa, a loja do BMG é a mais cheia. Com cartazes de cartões de vantagens para desconto em medicamentos, eles só atendem aposentados, pensionistas e servidores públicos. Nem uma simulação é feita se você não estiver em uma das três categorias.
Depois de cinco minutos de espera, um homem levanta, impaciente. Pergunto se ele está precisando de empréstimo e se já pesquisou nos concorrentes na mesma rua. “Ali [apontando para um dos concorrentes da instituição] é muito caro. Pegar R$ 1 mil e pagar R$ 4 mil? Tô Fora. Vim aqui só pra fazer uma simulação. Mas está demorando muito. Vou embora”, responde.
Mais a frente, no ponto de atendimento do Agibank, que apesar da onda digital já anunciou que vai abrir novas lojas, um funcionário público sai apressado depois de uma longa e descontraída conversa com o gerente.
“Aqui eles têm vantagens para nós que somos servidores estaduais. Eu prefiro porque se você atrasa uma parcela, pode vir aqui conversar, negociar. Não é igual aos bancos que se você atrasa já é multa e já cancela logo o acordo. Eu já sou cliente aqui”, justifica, ignorando a pergunta seguinte sobre as taxas de juros.
Simpática, a funcionária de uma das financeiras explica como funciona o sistema. Com base no CPF são oferecidas diferentes taxas de juros. Um empréstimo consignado pode ter juros abaixo de 2% ao mês, conta ela.
Café, água gelada, banheiro e os juros, claro
“Os clientes se sentem acolhidos aqui. Muitos já foram em vários bancos e não têm um retorno positivo. Não é aprovado o crédito. Aqui, mesmo negativado, a pessoa consegue abrir a conta pra conseguir descontos. A maioria das lojas tem Wi-Fi para baixar o aplicativo e fazer o cadastro. Nosso diferencial é um atendimento mais próximo. Café, água gelada e banheiro. Também é rápido porque tem as atendentes e o supervisor da loja. Não demora nem 20 minutos”, afirma.
Há quatro anos trabalhando na rua São Bento, a funcionária testemunhou o fechamento dos escritórios e financeiras. Para ela, sobreviveram os negócios que eram mais consolidados no mercado e souberam se modernizar. Onde ela trabalha, há atendimento via whatsapp e aplicativo. Mas o empréstimo em si deve ser feito na loja.
“Aqui era a rua das financeiras e hoje mudou. As pessoas acabavam caindo em fraudes, golpes e deixaram de confiar em todo mundo. Vão em quem já conhecem. O movimento na loja continua igual, sempre mais cheio no começo e no fim de mês. Quem usa o aplicativo é um público mais jovem, não alterou tanto o volume de gente. E hoje temos um público maior que é somente de aposentado e pensionista”, diz.
Dicas para economizar no empréstimo
Para evitar pagar mais caro pelo crédito, o ideal é usar comparadores de crédito. A maioria deles são gratuitos pela internet, como Juros Baixos, Buscacred, ComparaBem e Finanzero. Você pode ainda consultar a média de custo do crédito atualizada pelo Banco Central.
Ainda é possível fazer simulação nas próprias financeiras como Agibank, Crefisa e também nas concorrentes fintechs como Creditas e Bom pra Crédito.
Não olhe somente o valor das parcelas. Fique atento às taxas de juros e custos totais da operação. Não aceite venda casada (“se você comprar isso, pode levar aquilo”). Lembre-se de que quanto maior o prazo, mais juros incidem no empréstimo.
E, por fim, não caia no conto do café, água, banheiro e ar condicionado. Tudo isso vem acompanhado de juros, gordos juros.
Se quiser ver a reportagem na íntegra, esse é o link:
https://valorinveste-globo-com.cdn.ampproject.org/c/s/valorinveste.globo.com/google/amp/objetivo/organize-as-contas/noticia/2019/11/22/rua-sao-bento-reduto-do-credito-facil-e-caro-sobrevive-com-clientela-restrita.ghtml